Para uma considerável fatia dos leitores assíduos de quadrinhos, o gênero de heróis é o mais popular, se não o único que desperta interesse. É meio comum ver uma pessoa que gosta de X-Men e despreza a Turma da Mônica ou o Tintin.
Entretanto, esse parece ser um fenômeno contemporâneo já que, nos primórdios da indústria da arte sequencial, como os quadrinhos eram conhecidos no princípio, histórias corriqueiras ou mesmo educativas possuíam um espaço muito grande nas bancas e lojas especializadas.
Foi nesse entorno, pouco tempo depois da Grande Depressão varrer os Estados Unidos e o mundo, que surgiu um dos maiores nomes que a indústria já teve.
Um “filhote da depressão”, que não conseguiu se livrar da necessidade quase patológica de economizar e viver apenas com o essencial, contemporâneo de Stan Lee, que nunca gostou de herois, mas que acabou criando um quase heroi que virou ícone e marcou época.
Spirit usava uma máscara, mas não tinha superpoderes. Seu uniforme era um terno azul e um chapéu da mesma cor. Ele não se recusava a usar armas, mas costumava se virar bem apenas com os punhos. Ele viveu e quase morreu combatendo criminosos verossímeis e lidando com mulheres que beiravam o irreal de tão poderosas que eram. Muitas delas usavam o corpo como arma, mas a maioria gostava mais da inteligência e da genialidade.
Ou seja, Spirit é mais herói do que muitos dos personagens que Marvel e DC levaram ao topo da fama.
Mas, como mencionei antes, Will Eisner não gostava de herois e preferia fazer a sua fama em cima de quadrinhos educativos, manuais técnicos, principalmente para as forças armadas, e histórias corriqueiras, quase como se ele contasse a história da vida do seu vizinho quando ele não estava regando o jardim.
Como nem tudo na vida são flores, uma coisa que chama a atenção no livro é a constante menção a um “egoísmo” do Eisner ao não permitir que outro nome além do dele aparecesse nos créditos das suas obras. Quando se pensa que muitas vezes ele contou com a ajuda de diversos empregados para entregar os produtos, esse tipo de atitude põe em dúvida o caráter da pessoa e fica difícil defendê-lo. Essa atitude o aproxima muito das grandes editoras de herois que sempre foram acusadas de explorar os criadores dos personagens. Um ponto negativo que nem a genialidade da sua obra apaga.
O livro menciona muito os aspectos pessoais do Will, com menção mais do que carinhosa à sua tragédia pessoal, com a morte da filha pequena, vítma da leucemia. Isso torna a imagem dele muito mais humana aos olhos dos leitores.
Um livro muito bem escrito e que serve para entender como funcionava a indústria nos seus primórdios e como ela começou a mudar para chegar ao que é nos dias de hoje, com gigantes corporativos atropelando quem estiver pela frente em nome do lucro, não da arte.